O QUE É FÉ? – OS MODELOS DE FÉ DO ANTIGO TESTAMENTO NA CARTA AOS HEBREUS – PARTE 1 – Uma Descrição da Fé

O capítulo 11 de Hebreus é conhecido como “a galeria dos heróis da fé” e nada melhor do que começarmos com esse capítulo a fim de respondermos a grande questão: O que é fé? Como a fé tem importância vital para a nossa existência, agora e no pós-morte, precisamos meditar sobre o que é fé, na fonte mais confiável e esclarecedora sobre esse assunto – a Bíblia. Pois a Bíblia é a nossa regra de fé e prática, ou seja, ela é suficiente e tem autoridade para nos conduzir dentro da vontade de Deus – não existe maneira de agradarmos a Deus se contestamos o que a Bíblia nos ensina.
Vivemos em um mundo onde as pessoas encaram a fé apenas como “pensamento positivo” ou como “as crenças e práticas de uma religião”, ou seja, uma pessoa de fé, no conceito da maioria das pessoas no mundo, está relacionado com as práticas de uma religião, sem se importar que religião seja e, assim todos os praticantes de todas as religiões são tratadas como pessoas de fé, ou as pessoas são tratadas como pessoas de fé por ela ter um mero assentimento intelectual sobre Jesus Cristo. Por isso que é importante estudarmos o que a Bíblia ensina sobre a fé, começando com o livro de Hebreus, pois precisamos entender o que é a fé como a Bíblia ensina, pois essa fé que a Bíblia ensina é a única que agrada a Deus, pois “Sem fé é impossível agradar a Deus..” (Hebreus 11.6ª). A fé que agrada a Deus não é qualquer fé, mas a fé que a Bíblia nos ensina! Hebreus 11 é “um retrato abrangente da fé que de fato agrada a Deus” (PETERSON, 2009, p.2019).
No livro de Hebreus, bem como em toda a Bíblia, podemos observar que existe um elo entre fé, Esperança, Obediência e Perseverança. Isso é importante observarmos, pois em nosso mundo as pessoas entendem a fé apenas como uma concordância intelectual com algumas crenças, ou em outras palavras, como eu tenho falado em outros artigos: “um mero assentimento intelectual”. Entretanto precisamos entender que a “a fé que honra a Deus leva a sério o que Deus diz e vive em expectativa e obediência no presente, esperando que ele cumpra as sua promessas. Tal fé resulta em sofrimento e perseguição de diversos tipos”. (PETERSON, 2009, p.2020)
Primeiramente precisamos observar que Hebreus 11.1 não é uma definição completa, mas apenas em parte, da fé conforme o Antigo e o Novo Testamento nos ensinam. Quando o autor de Hebreus diz que “a fé é a certeza daquilo que esperamos” ele, certamente, não está se referindo ao fruto da imaginação dos seres humanos, mas está se referindo as promessas que estão contidas nas Escrituras, feitas por Deus, veremos isso, em outros estudos, nos exemplos de fé que o autor selecionou no capítulo 11 de Hebreus. A fé, como é descrita no capítulo 11 de Hebreus, não é idêntica a fé que o Apóstolo Paulo nos ensina em suas cartas, por isso que a descrição de fé de Hebreus 11.1 não pode ser tida como o significado definitivo, mas parcial, do conceito de fé na Bíblia, entretanto, se tivéssemos somente o livro de Hebreus em nossas mãos, poderíamos entender perfeitamente que a fé bíblica difere radicalmente do conceito de fé que o mundo tem. O conceito de fé exposto pelo autor de Hebreus, aqui no capítulo 11, não contrária o conceito de fé que o Apóstolo Paulo nos ensina em suas cartas, mas acrescenta. De acordo com Linghtfoot a fé, nos escritos no Apóstolo Paulo, “é o ato de compromisso e confiança pessoais em Cristo, um principio que efetua a salvação. [...] Para o autor de Hebreus, porém, a fé é essencialmente a confiança em Deus” (LIGHTFOOT, 1981, p.245-246), essa confiança em Deus leva o individuo que crê a ter esperança, a ser obediente e a ser perseverante, essa é a mensagem do livro de Hebreus em relação a fé.
Ter fé em Deus, conforme o capítulo 11 de Hebreus nos ensina, é crer nas declarações que Deus fez no passado através dos profetas e nestes últimos dias através do Filho – Jesus Cristo (Hebreus 1.1-2; 11.3); é também crer nas declarações que ele faz acerca do futuro (Hebreus 11.7,8,10,13). E ao crer nessas declarações o individuo que crê ajusta a sua vida conforme a vontade de Deus, pois o sujeito que tem fé acredita que aquilo que Deus prometeu Ele cumprirá.
Fé em Deus e o afastamento dele não combinam e não condiz com o que a Bíblia nos ensina sobre a Fé, pois a fé é a sustentação desse relacionamento, é por meio da fé que o individuo passa por todo tipo de dificuldade, perseguição, sem se afastar de Deus e de sua vontade. Fé é uma confiança inabalável em Deus, ela nos capacita a ter uma visão do invisível, não o fruto de nossa imaginação, mas a visão do cumprimento das promessas de Deus, por fim, a fé é o poder para avançarmos e perseverarmos em meio ao caos, ao sofrimento, a perseguição e rejeição.
A galeria dos heróis da fé, em Hebreus, começa assim:
Ora, a fé é a certeza daquilo que esperamos e a prova das coisas que não vemos. Pois foi por meio dela que os antigos receberam bom testemunho. Pela fé entendemos que o universo foi formado pela palavra de Deus, de modo que o que se vê não foi feito do que é visível. (Hebreus 11:1-3)
“Ora, a fé é a certeza daquilo que esperamos...” (Hebreus 11.1a).
Ἔστιν
δὲ
πίστις
ἐλπιζομένων
ὑπόστασις
Estin
de
pistis
elpizomenon
hypostasis

A palavra hypostasis significa: essência, substância, certeza. Linghtfoot nos dá mais clareza ao comentar que hypostasis “se refere literalmente a algo que fica por baixo de um fundamento ou subestrutura de um edifício. Entre outras coisas, ele indica também um plano ou propósito de algo, o surgimento ou origem de uma coisa, a substancia ou natureza real de uma coisa. É também usada com relação a algo em que uma esperança se baseia, e disto deriva o sentido de confiança ou certeza” (LIGHTFOOT, 1981, p.247). Com esse entendimento em mente podemos prosseguir no entendimento dessa primeira sentença no versículo 1. A fé é algo que dá sustentação, é a “substancia ou natureza real” daquilo que esperamos, por sua vez a própria esperança se baseia nessa “substância ou natureza real”. “A fé é o título de propriedade de coisas que se esperam” (MOULTON e MILLIGAN apud LIGHTFOOT, 1981, p.248) Essa descrição de fé como “título de propriedade de coisas que se esperam” nos remete ao ensino de Paulo que fala das primícias, ou primeiros frutos, que o cristão recebe ao crer em Jesus Cristo e ser selado com o Espírito Santo (Romanos 8.23; 2º Coríntios 1.22; 5.5; Efésios 1.14).
“Ora a fé é hypostasis...” Hypostasis é o surgimento da era futura na vida presente, é a origem das promessas futuras vivenciadas e esperadas no presente, é a natureza real das primícias do Espírito Santo na vida do regenerado. Ela é algo em que a própria esperança se baseia porque é como se fosse o pagamento inicial de algo maior que receberemos na era por vir, por isso fé é a certeza daquilo que esperamos e somente quem recebeu essa fé verdadeira pode entendê-la. Hypostasis é um antegozo dos céus, e das promessas que receberemos. Como ilustração desse antegozo, coloco, abaixo, uma citação encontrada no diário da esposa de Jonathan Edwards em 28 de Janeiro de 1742:
“Ele pregou sobre o assunto da certeza da fé. O sermão inteiro estava me comovendo, mas especialmente quando ele mostrou a forma em que a certeza era obtida, e indicou seus frutos felizes. Quando eu o ouvi dizer que aqueles que têm certeza têm um antegosto da glória celestial, eu sabia que era verdade por causa do que senti então; eu sabia que provei então as uvas do Canaã celestial; minha alma foi enchida e coberta de luz, amor e alegria no Espírito Santo, e parecia prestes a abandonar o corpo”. (SARA EDWARDS apud MURRAY,2015, p.230)
A hypostasis (certeza, essência, substância) não é posse das promessas feitas por Deus, não é a posse de todas as bênçãos e promessas que nos foi prometido, hypostasis “não é a posse da terra como tal, mas o documento que garante a sua verdadeira posse” (KOSTER apud LIGHTFOOT, 1981, p.248); por isso quem tem essa fé não a perde, pois ela é um presente de Deus (Efésios 2.8-9), e assim como os dons de Deus são irrevogáveis (Romanos 11.29), a fé verdadeira é irrevogável, pois ela é a certeza daquilo que esperamos, não pode ser perdida, a fé verdadeira, dada por Deus, dura para sempre.
Quando o autor de Hebreus nos diz que “a fé é a certeza [hypostasis] daquilo que esperamos”, em outras palavras ele está dizendo que “aquilo que esperamos se torna real e substancial pelo exercício da fé” (PETERSON, 2009, p.2020). Aquilo que esperamos, as promessas de Deus, torna-se reais, para aquele que crê, pelo exercício da fé, não é que elas não existem e tornam a existir pela fé do individuo que crê, elas já existem, mas quem não crê, não consegue ter essa certeza e consequentemente não consegue ajustar a sua vida conforme essas promessas.
Passemos agora para a análise da segunda parte do primeiro versículo que diz:
“e a prova das coisas que não vemos...” (Hebreus 11.1b).
Πραγμάτων
ἔλεγχος
οὐ
βλεπομένων
pragmaton
elenchos
ou
blepomenon

A palavra elenchos significa: prova, demonstração, argumentação. Para elucidar melhor o significado dela vamos ver o que Lightfoot diz, pois ele afirma que elenchos “trata-se de um termo legal. Ele se refere a um argumento de contestação ou refutação; é usado no interrogatório de alguém com o fim de estabelecer evidencia. Refere-se também á base em que uma pessoa é convencida: assim sendo, a maioria das traduções dizem evidencia ou convicção” (LIGHTFOOT, 1981, p.247-248).
Quando o autor de Hebreus diz que a fé é certeza e prova das coisas que esperamos e não vemos, ele não quis dizer que a fé é uma ilusão subjetiva ou um pulo no escuro. Essa fé está baseada, como já vimos, na Palavra de Deus, tanto naquilo que ele já fez (Hebreus 11.3), como naquilo que ele fará (Hebreus 11.7,8,10), e “a fé, fundamentada como está na Palavra inabalável de Deus, não é de forma nenhuma um salto no escuro. Ela nos assegura da realidade do mundo invisível, e da superioridade sobre o visível, e por meio disso nos capacita para fazermos as escolhas corretas nos momentos de decisão” (HAWTHORNE, 2012, p.1453). Com esse complemento na declaração do autor de Hebreus, fica claro que o objeto da fé – as promessas de Deus – tem uma existência independente da fé. Assim como os sentidos, visão, audição, paladar, tato e olfato, nos capacitam a perceber as coisas criadas no mundo físico, a fé nos capacita a perceber as coisas no mundo espiritual, no mundo superior, e isso com absoluta confiança. A fé nos assegura da realidade da era futura, do mundo invisível, e essa fé é imprescindível para a esperança, para a obediência e para a perseverança. “A fé, portanto, é fundamental para a perseverança, pois a perseverança não é nada mais do que uma série de escolhas para o futuro e o invisível, em contraste com escolhas para o presente e coisas transitórias que pertencem ao mundo dos fenômenos” (HAWTHORNE, 2012, p.1453).
Assim os homens, que são retratados nesse capítulo 11 de Hebreus, são mencionados como heróis da fé, pois eles ajustaram as suas vidas, enquanto viviam aqui neste mundo, em função do futuro invisível, mas real, em função do mundo invisível, em função daquilo que Deus prometeu em sua Palavra e que aconteceria, assim esses homens ficaram sujeitos a todo tipo de privação, foram perseguidos, caluniados, rejeitados, mal compreendidos, assassinados, porque eles estavam olhando para o invisível por meio da fé. “A fé é a completa certeza e a intima convicção que dá aos homens o poder de arriscar suas vidas em realidades invisíveis” (LIGHTFOOT, 1981, p.249). O ser humano de fé, conforme a Bíblia ensina, anda nesse mundo com os olhos no mundo invisível, ele vive e ajusta toda a sua vida na esperança de chegar a “terra prometida”, a Jerusalém celestial e tudo o que ele pensa e faz reflete a sua fé no mundo invisível (2º Coríntios 4.18).
“Pela fé os antigos obtiveram bom testemunho.” (Hebreus 11.2)
Os antigos, a quem o autor se refere nessa passagem, são aqueles que ele começará a mencionar a partir do versículo 4 do capítulo 11 de Hebreus. Essas pessoas são exemplos de fé para nós, pois elas alcançaram bom testemunho de Deus, elas agradaram a Deus com a suas vidas, eles ajustaram as suas vidas conforme a vontade e promessas de Deus, e com isso, o exemplo deles foram imortalizados nas Escrituras – a Bíblia – e hoje eles são “testemunhas da fé verdadeira para nós” (PETERSON, 2009, p.2020).
Algumas considerações sobre a fé verdadeira, vista até aqui, nesses dois primeiros versículos:
A fé verdadeira faz parte das primícias recebidas na regeneração. Ela é uma antecipação das promessas e como tal é certeza daquilo que esperamos.
Essa fé é absoluta confiança nas promessas de Deus. Confiança essa que fará com que o individuo que a possui reajuste toda a sua vida em função dessa certeza.
Essa fé capacita o individuo que crê a perceber a realidade daquilo que é invisível, mas real e eterno. E em função dessa nova percepção, esse individuo vive inteiramente em função do invisível – as promessas de Deus.
Essa fé não é um pulo no escuro, visto que o individuo que a possui perceber, pela fé, a realidade invisível, coisa que o individuo que não a possui, não tem a capacidade de perceber e de consequentemente ajustar a sua vida em função dessa visão.
Deus não nos deixou no escuro, temos na Bíblia, vários homens e mulheres que vivenciaram essa fé verdadeira e receberam o testemunho de Deus de que a vida deles agradou a Deus. Esses homens e mulheres são exemplos para nós a fim de que aprendemos sobre a fé verdadeira e caminhemos semelhantemente a eles para a glória de Deus.

No próximo estudo continuaremos no versículo 3 de Hebreus 11.

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